Sobre os 70 anos da liberação de Auschwitz.

Na terça-feira passada, o mundo celebrou os 70 anos da liberação do campo de concentração nazista de Auschwitz. Entre relatos de sobreviventes e homenagens, refletimos sobre um dos mais trágicos períodos da história da humanidade. 
Estudei o nazismo durante os anos escolares e, de acordo com o que acontece na maioria dos conteúdos programáticos, ficamos restritos aos eventos mais marcantes que permearam todo o período da Segunda Guerra Mundial e às personalidades históricas, cujos nomes e feitos têm se mantido presentes na memória viva que resgatamos e reconstruímos.
Compreender os detalhes a respeito dos campos de concentração de Auschwitz, Dachau e Treblinka, entre outros, é um difícil exercício de contemplação da faceta humana que não ousamos encarar. Isso porque os campos não foram construídos, financiados, organizados e mantidos por uma limitada cúpula de malévolos que, de certa feita, se encontraram para praticar perversidades inconcebíveis, e sim fizeram parte de uma estrutura complexa dentro de um Estado moderno, a qual contou com o apoio e as ideias de trabalhadores urbanos, de médicos com suas associações, de industriais e suas planilhas de lucros, de notáveis arquitetos e de um sem-número de entusiastas, que ora silenciaram, ora levantaram para aplaudir o governo vigente.
Jean-François Steiner, em seu relato minucioso do extermínio em Treblinka, conseguiu nos levar a um ponto de elucidação quase intangível: um momento em que a realidade diária de tentar escapar entre dejetos, de trabalhar por 12 horas consecutivas em um frio congelante até a mais completa exaustão, de ver familiares e amigos serem brutalmente assassinados na seleção para os mais aptos e de viver entre os cadáveres até se acostumar com uma não-presença que, cada vez mais, se assemelhava ao que restou das vidas, passa a ser possível dentro dos nossos parâmetros morais já confusos. A partir do instante em que o "como?" passa a ser martelado incessantemente a fim de sanar uma grande dúvida interna, outro momento de elucidação começa a ser vislumbrado.
Não é difícil se sensibilizar com a degradação moral, psíquica e física dos prisioneiros em níveis que desafiam qualquer razão e limite humanos. Pelo contrário, é fácil eleger a jovem Anne Frank, com sua escrita impecável e farta imaginação, ou os corajosos judeus que ousaram preparar uma fuga armada em Treblinka, como nossos heróis e representantes em sua nobreza e vontade de viver. O grande ponto crucial é admitir que a violação absoluta e cabal contra os direitos humanos só foi possível através de cada pensamento individualizado que buscava a satisfação de necessidades próprias - fossem elas de plano material ou oriundas da simples afirmação de categorias sociais - , o qual encontrava na ascendência de um partido ultra-nacionalista e excludente de minorias um voto a favor de si mesmo.
Nessa semana, muitas pessoas deixaram flores no lugar onde tantas pessoas tiveram seu direito à vida vilipendiado e destruído. Honremos as vítimas com homenagens, sim, mas, acima disso, façamos todos os dias aquilo que, no passado, poderia tê-las salvado: levantemos alto a voz contra cada pequena injustiça diária, defendamos aquele que está impedido de expressar sua vontade, e não nos intimidemos com nenhuma ameaça. Juntos somos tão fortes quanto as vítimas que nos deixaram profundas lições sobre perseverança e superação. Que descansem em paz.
Texto por Liziane Edler, do blog Licença para o imperfeito
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8 comentários

  1. fico imaginando quantas histórias foram destruidas nesse local
    http://felicidadeemlivros.blogspot.com.br/

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    1. Oi, Thaila!

      Realmente, inclusive, muitas histórias que não chegamos a conhecer...

      Tenho dois outros textos sobre o assunto no meu blog se quiser conferir:

      http://licencaparaoimperfeito.blogspot.com.br/2014/06/a-menina-que-roubava-livros.html
      http://licencaparaoimperfeito.blogspot.com.br/2014/10/o-diario-de-anne-frank-as-palavras-que.html

      Já estou seguindo o seu blog também!

      Beijos!!

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  2. Quantas pessoas inocentes morreram nos campos de concentração, quantas humilhações e dores, muito triste isso tudo.
    Beijos!
    islary34.blogspot.com

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    1. É verdade, Isa! Um período lamentável da história!

      Tenho dois outros textos sobre o assunto no meu blog se quiser conferir:

      http://licencaparaoimperfeito.blogspot.com.br/2014/06/a-menina-que-roubava-livros.html
      http://licencaparaoimperfeito.blogspot.com.br/2014/10/o-diario-de-anne-frank-as-palavras-que.html

      Já estou seguindo o seu blog também!

      Beijos!!

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  3. Nossa que horror, ai foi tão cruel isso :(
    DÁ UMA OLHADA O #4-TOP10 DESTA SEMANA JÁ ESTA DISPONÍVEL, CONFERE LÁ: http://www.harlleyb.com.br/2015/02/4-top10.html

    bjs

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    1. Olá, Harlley!

      Realmente, foi uma demonstração enorme da crueldade de certas pessoas.

      Já estou seguindo o seu blog!

      Tenho dois outros textos sobre o assunto no meu blog se quiser conferir:

      http://licencaparaoimperfeito.blogspot.com.br/2014/06/a-menina-que-roubava-livros.html
      http://licencaparaoimperfeito.blogspot.com.br/2014/10/o-diario-de-anne-frank-as-palavras-que.html

      Beijos!

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  4. Por que usar a Polônia para o maior campo de extermínio da História? Porque a Polônia foi o único país europeu que desconhecia o 'gueto judeu'...Muitos não sabem,mas a Polônia foi o único reinado medieval(ao lado do Ducado de Milão)que escapou da Peste Negra,em meados do século XIV...a explicação mais óbvia é que os judeus,colocados em altos cargos no país pelos monarcas poloneses,fizeram saneamentos no país que livraram a Polônia da peste...
    Bjossss de fadas
    http://lulopesfada.blogspot.com.br

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    1. Olá, Luiz Gustavo!

      Obrigada por trazer mais fatos históricos para ampliar nossos conhecimentos! Esse é um tema inesgotável, e é sempre produtivo trocarmos ideias.

      Tenho dois outros textos sobre o assunto no meu blog se quiser conferir:

      http://licencaparaoimperfeito.blogspot.com.br/2014/06/a-menina-que-roubava-livros.html
      http://licencaparaoimperfeito.blogspot.com.br/2014/10/o-diario-de-anne-frank-as-palavras-que.html

      Beijos!

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