Tem algo de errado com uma forma de ensino que não acolhe...
Essa é uma época do ano de resultados e expectativas, e penso também que deveria ser de reflexão. Observo algo de desajustado, impertinente e sorrateiro em algumas declarações, ideias e pensamentos que vão se espalhando pelos nossos caminhos quase sem que os notemos. Parece que, atualmente, é absolutamente natural que tratemos o ensino de qualidade como um produto caro a ser consumido e apreciado apenas por alguns. Mais do que isso, insistimos em ver a dura batalha daqueles que precisam vencer dificuldades inerentes ao meio em que nasceram e cresceram como "um desafio louvável", e nada mais do que isso: que eles cheguem atrasados no ENEM e entreguem seu pranto aos fotógrafos do G1; que eles lidem sozinhos com a quase impossibilidade de cumprir um currículo hermético e, ao mesmo tempo, trabalhar; que eles coloram a faculdade com uma diversidade supostamente bem-vinda enquanto o privilégio de se inserir em grupos fechados de cultura e poder social continua reservado apenas para uma minoria;
Para mim, tem algo de muito errado com a glorificação exaltada de quem passa no vestibular. E não é que eles não mereçam louvores, ao contrário, merecem muito, mas o desafio de estudar e transformar seu conhecimento em instrumento a serviço de todos deveria figurar entre as maiores premiações. Essa chance de pensar, e ter espaços de fala para se expressar, poderia ser aproveitada no amplo questionamento das estruturas ainda impostas: será justo esse vestibular ainda tão arraigado aos elementos mais conservadores do ensino? seremos melhores alunos por repetir fórmulas como papagaios alegres, ou, ao contrário, estaremos caminhando rumo à inovação por responder sobre vôlei, animais domésticos, e cultura pop?
Acho que existe algo de errado com esse ensino que cada um vive sozinho para alimentar o seu próprio mundinho: dizemos "minha" tese, "meu" trabalho, "meu" doutorado, com a pretensão quase risível de que algum desses elementos tem sentido isoladamente, solto no ar, sem ninguém que o reconheça como mola propulsora de alguma mudança efetiva na sociedade. Parece que há algo de errado com uma faculdade que é tão glorificada por ser o início do sucesso profissional, mas que permite e, não raro, até estimula que os seus discentes compitam entre si, e não consigam enxergar no seu próximo alguém que caminhará lado a lado na construção de um mundo onde a segregação em vários níveis seja exceção, e não regra.
Nesse final de ano, comemore sua aprovação, as boas notas nas disciplinas, os aplausos para o seu TCC, a bolsa de estudos no exterior. Mas não esqueça que, logo ali ao lado, tem alguém que precisa dos frutos do seu conhecimento, e anseia para compartilhar o sucesso de um trabalho que, quase sempre, só se aperfeiçoa em equipe. Sejamos mais solidários, caso contrário, qualquer conhecimento restará esterilizado ao ressoar o eco sempre da mesma voz...
Texto por Liziane Edler, do blog Licença para o imperfeito