Somos Todas e Todos Mulheres de Queimadas



    Hoje saiu uma sentença aguardada pelo mesmo tempo de duração que o meu blog, no qual costumo escrever sobre Feminismo, completa em 2014: há dois anos, recebo algumas mensagens de apoio, e outras tantas que revelam o retrocesso cultural em que ainda vivemos. Durante esse tempo, nenhuma das pautas que abordei a respeito da opressão de gênero deixou de ser relativizada por alguém. Houve quem dissesse que tudo se tratava de histeria e falta do que fazer, foram proferidas ameaças de cunho sexual, e cheguei até mesmo a discutir com uma moça da minha idade, em um desses debates típicos das redes sociais, a respeito da importância do Feminismo. Ela me chamou de contraditória, acusou as feministas de não reconhecerem o espaço da mulher na sociedade e, há pouco tempo, soube que ela usou o nome do meu blog para fazer uma piada interna facilmente reconhecida por quem escolhe o caminho de desconstrução de verdades absolutas, as quais viabilizam a opressão.


    Em 2012, um grupo de homens estuprou várias mulheres que estavam em uma festa de aniversário. Poucos se surpreenderiam com o caso, visto que o estupro é o segundo crime mais cometido no Brasil apesar da subnotificação, resultado da culpa que a sociedade ainda imputa às vítimas. A barbárie em Queimadas, na Paraíba, no entanto, chocou a opinião pública por causa dos seus requintes de extrema crueldade: os estupradores eram conhecidos das vítimas, e planejaram estuprá-las uma semana antes como "presente de aniversário" a um dos criminosos. "Estupro como presente, que horror", exclamarão alguns embora não esbocem qualquer reação ao assistir, todos os dias, comerciais nos quais homens invisíveis passam a mão em mulheres de biquínis, e ao ouvir piadas de famosos, cujas fan pages recebem milhares de curtidas, que tentam tornar engraçada a ideia de que uma mulher feia deve agradecer por ser estuprada. Cultura do estupro é só mais uma das pautas femininas negligenciadas por muitos que, em defesa do "politicamente incorreto, mas engraçado", negam-se a enxergar o óbvio nexo causal entre uma sociedade que legitima a misoginia e o acontecimento de crimes bárbaros tal como o narrado.




    O mais difícil em relação ao crime de Queimadas não é lidar com a monstruosidade e frieza dos estupradores, pelo contrário: é aceitar que eles são homens comuns, alguns casados, que não enxergaram qualquer problema em estuprar conhecidas e amigas como forma de diversão e entretenimento. Uma das vítimas relatou que eles riam do seu sofrimento, e isso não reflete uma psicopatia rara e isolada, como tentam forçar alguns, mas sim um traço marcante, profundo e resistente de uma cultura que tem na figura da mulher um objeto a ser usado como se bem entenda e que, em caso de defeito, pode ser eliminado. Foi o que aconteceu com duas das mulheres que reconheceram seus estupradores e, por isso, perderam suas vidas antes de ver alguma justiça ser feita em relação a elas.

    O mentor dos crimes foi condenado há 106 anos de prisão, e os demais envolvidos já cumprem suas penas. Enquanto outras centenas de milhares de mulheres, ou de seus familiares, aguardam alguma forma de justiça para a violência sistemática que sofreram e sofrem todos os dias, eu ainda não consigo comemorar. Acredito que seja esse um momento de silêncio e de reflexão sobre as atitudes que tomamos, e deixamos de tomar, as quais, em grandes proporções, tornam possível que mulheres não se sintam seguras nem em uma festa de aniversário entre conhecidos, e que a violação de seus corpos, nas mentes de alguns, configurem um "presente", ou de alguma forma sejam justificadas. #SomosTodaseTodosMulheresDeQueimadas




(Gostaria de pedir para quem tiver qualquer informação adicional ou comentário sobre esse caso escrever para o meu ask. Vamos aumentar esse debate tão importante! http://ask.fm/LizianeEdler)

Texto por Liziane Edler, do blog Licença para o imperfeito
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6 comentários

  1. Nossa, que absurdo! Eu conheço a Paraíba, e os meus pais são desse Estado maravilhoso.
    Infelizmente, há homens que não evoluíram e acreditam que a mulher é apenas um pedaço de carne, ou ainda, um brinquedo sexual. Não é apenas no oriente que acontece essa barbárie, no ocidente, as mulheres também não são respeitadas.
    É abominante ler um caso desse em pleno século 21, onde os próprios amigos cometem uma violência dessa proporção. Amigos? Não, são homens covardes.
    E, no nordeste (aliás, no Brasil), para a minha tristeza, ainda há muitos homens machistas e que só pensam no próprio prazer. Precisam mostrar que são o macho dominante! E em muitos casos, a culpa é dos próprios pais que acham lindo o filho ser um GARANHÃO. Enfim... Há muito o que se falar e discutir sobre esse assunto.
    Beijinhos
    :)

    http://cariocaemportugal.blogspot.pt/

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    1. Érica, muito obrigada pelo seu comentário!

      Realmente, esse caso é estarrecedor, não há palavras para descrever tamanha atrocidade. Há muito que se discutir sobre o assunto mesmo, e acredito que nós precisamos de cada vez mais espaço para falar sobre tudo isso!

      Beijos!

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  2. Em todos os estados encontramos casos absurdos como esse, não há um especial!
    Acredito que a sociedade precisa exigir dos governantes mais atitude, para que as mulheres não sofram situações como essas.Acho que a família tem mesmo um pouco de culpa, pois muitos educam seus filhos para serem como disse a Érica, perfeitos "GARANHÕES"!
    Bom final de semana e bjus,amiga!
    http://www.elianedelacerda.com

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    1. É verdade, Elyane, concordo com o que você escreveu... As leis devem ser mais severas, mas, principalmente, as famílias devem educar seus filhos para respeitarem seus semelhantes...

      Obrigada por comentar, beijos!

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  3. Que absurdo! Deviam existir penas mais severas nesse país!

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    1. Olá, Nanda!

      Está sendo estudada uma nova tipicidade no Código Penal para o crime de "Feminicídio", o qual se encaixaria bem nesse caso. Continuemos esperançosas!

      Obrigada pelo comentário!

      Beijos!

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