Para que (m) serve o teu conhecimento?

     Estamos em época de vestibulares por todo país, e talvez esse seja um dos assuntos que eu mais tenha conhecimento prático para comentar depois de ter estudado três anos para ingressar no curso de Direito. Para aqueles que estão se preparando para as provas, certamente, nada tem mais importância do que as aulas de revisão, os resumos das matérias, as tabelas de fórmulas, e aquela ideia persistente de que, quando tudo isso passar, virá a comemoração, os aplausos e a felicidade. Essa é a forma como somos ensinados a pensar nossa vida: em etapas arbitrárias, que devem ser atravessadas em determinadas épocas para você ser agraciado com um breve aval da sociedade para se sentir um pouco mais livre. Passei, cumpri meu papel, agora posso seguir inserido.


    Uma das consequências dessa visão de sucesso e realização tão restrita e funcional pode ser encontrada, em vultosos exemplos, dentro dos portões das Universidades. Se, há poucas décadas, o vestibular era um critério de seleção e manutenção das desigualdades, perpetuando o ensino superior e de qualidade apenas entre a parcela da população que já detinha o poder de escolha e de controle no microcosmo no qual estava inserida, atualmente, a leve e gradual abertura ainda não conseguiu sublimar uma das razões mais perniciosas que mantém a estrutura do ensino tal como é hoje. Ao contrário de ser um espaço de acolhimento à diversidade, não só cultural e étnica, mas também àquela que se relaciona aos ideais advindos de formações diversas, a Universidade se mantém como um recinto quase impermeável à inovação, sendo reduto de interesses alicerçados em estruturas corporativas seculares e de quase impossível desconstrução.


     Esse ensino centrado na figura de professores que se comportam como reis em castelinhos de areia, os quais referem autoridades penduradas em quadros, por vezes, mais prestigiados que o próprio conhecimento propagado por eles um dia, que seguem diferenciando turmas entre mais e menos aptos, e que podem fazer graça através de piadas embasadas nos preconceitos sociais, raciais e de gênero sem demonstrar afetação pelo constrangimento geral de sua pequena plateia, não começa com o vestibular e termina com o diploma. Pelo contrário, essa forma hierárquica e funcional de partilhar o conhecimento acaba ensinando aos alunos, por exemplo, que você pode escrever sobre a função social do Estado de Direito e, ao mesmo tempo, fundar e trabalhar em uma empresa que não tem qualquer comprometimento com a sociedade entorno desde que não haja nenhuma transgressão abissal à Lei. Afinal, a mesma teoria técnica, retrógrada e, em muitos momentos, absolutamente dispensável cobrada nos vestibulares mais tradicionais se estende à vivência do ensino superior, o qual, no mais das vezes, não pretende ter a pretensão que os seus alunos, e sucessores na continuidade das profissões, sejam capazes de interseccionar a necessária técnica aprendida com um mundo cheio de pluralidades e necessidades, as quais vão muito além do "a, b, c, d ou e" nas questões de múltipla escolha, ou da conta dificílima para a qual só existe uma resposta correta.


     Aos vestibulandos, eu desejo sucesso e coragem para que vençam não só as dificuldades externas, como também, e talvez principalmente, as lutas internas que decorrem de um ensino ainda segregacionista e anacrônico. E, aos meus colegas universitários, eu lanço uma pergunta que, já faz um tempo, vem sendo proferida aqui e ali: para que (m) serve mesmo o teu conhecimento? 


Texto por Liziane Edler, do blog Licença para o imperfeito
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11 comentários

  1. O teu conhecimento serve para ser crítico, questionar, dialogar, não aceitar por aceitar!
    O seu conhecimento é sua herança!
    bjus e bom final de semana,amiga!
    http://www.elianedelacerda.com

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    1. Com certeza, Elyane!!

      Obrigada por comentar!

      Beijos e bom fim de semana para você!

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  2. Amei o seu post.
    Conhecimento é poder.

    PS. Obrigada por visitar o meu blog, volte sempre.
    Bjuss Girl
    apenasumdiariovirtual.blogspot.com.br

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  3. O conhecimento serve como fonte de aprendizagem de geração -geração .Obrigado pela visita e seu cantinho esta lindo .Gostei do novo visual
    http://www.simonebastos2007.com/

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    1. Realmente, Simone!

      Muito obrigada!

      Beijos!

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    2. Simone sua linda...saudades, muito bom te ver aqui de novo.
      Nem preciso dizer para ser bem vinda, afinal a casa é sua.....

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  4. Muito bem abordado, a aprendizagem regrediu muito desde que as coisas ficaram mais fáceis.
    Identidade Aleatória

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    1. Realmente, Andressa... Mas eu acredito que os problemas estruturais sempre estiveram presentes, até porque o ensino teve bases muito conservadoras e aristocráticas no Brasil.

      Obrigada pelo comentário!

      Beijos!

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  5. Texto interessante, me faz lembrar o quanto ando desanimada com a facul!
    Beijos.

    Diva de Brechó

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    1. Que bom que você gostou do texto, Geovana!

      Às vezes, a gente desanima mesmo... hehe

      Obrigada por comentar!

      Beijos!

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