REJEIÇÃO, INVEJA E FRUSTRAÇÃO - Um passeio pelas emoções humanas

     Se eu tivesse que escolher apenas uma qualidade que me faça ficar presa a um livro da primeira à última página, seria a verossimilhança dos personagens. É como se, a cada frase, você se tornasse um pouco íntimo daquela pessoa cuidadosamente descrita para espelhar o que todos temos de tão humano: sofrimentos e mágoas, raiva e vingança, medo e solidão. No ápice de uma boa narrativa, consigo presenciar determinadas cenas na minha frente, e pensar que atitude tomaria se ali estivesse. Viver, afinal, nada mais é do que uma obra que não admite rascunho e, por isso mesmo, reavaliar nosso comportamento, a todo instante, é imprescindível na construção de fechamentos mais felizes para nossos projetos e sonhos.


     
É impossível, para mim, pensar sobre descrição de emoções, na sua forma mais crua e detalhada, sem lembrar do magistral “O Primo Basílio” de Eça de Queiroz. Luísa e suas fantasias e fraco caráter, Jorge e sua acomodação à vida burguesa, Basílio e seu erotismo aflorado aliado a uma escandalosa falta de escrúpulos, Juliana e seu ódio ressentido são, a um só tempo, representações de estereótipos sociais, além de construções psicológicas com singularidades expressas em cada pensamento e fala. Se, por um lado, podemos nos distanciar dos personagens ao pensar que jamais cometeríamos um adultério como fez Luísa, ou jamais deixaríamos uma vingança nos dominar a níveis tão cruéis, no caso de Juliana, por outro, nossa empatia quer tomar as dores da moça jovem e inexperiente, e da empregada que enfrentou, por tantos anos, dificuldades financeiras e solidão. Em uma das cenas mais carregadas de emoção, Luísa confronta a empregada que a torturava diariamente, ameaçando contar a respeito do adultério para o seu marido, e depois chora demonstrando todo o desgaste emocional que sentia no momento. Juliana, altiva, apenas rebate “A senhora chora... Eu também já chorei muito”, passagem que obriga o leitor a relembrar as descrições do quarto desconfortável onde Juliana dormia, sua doença que avançava, sua juventude que passou despercebida em meio à pobreza e à ausência de atributos físicos, os quais, no século XIX, definiam ainda mais do que atualmente a trajetória de uma mulher.



     
Enquanto no “Primo Basílio” a inveja e a falta de caráter traçam o destino dos personagens, podemos encontrar um pouco de esperança em uma das obras que se tornou ícone da literatura do Rio Grande do Sul: na trilogia “O Tempo e o Vento”, Érico Veríssimo conta a história de uma família que atravessa os séculos tentando se adaptar às mudanças políticas, e as próprias transformações individuais. Dentre tantas emoções exploradas vividamente, em uma narração rica de cenários épicos, destaco a capacidade de refletir e perdoar adquirida por alguns personagens ao longo do tempo. 




Valéria supera a paixão do passado pelo cunhado, e cuida com dedicação e paciência dos filhos que ele teve com sua irmã falecida tão jovem; Sílvia transforma seu amor por um dos filhos de Rodrigo, Floriano, em confidências de diário, e o perdoa, sinceramente, por não lhe ter correspondido enquanto havia tempo para que vivessem sua história de amor; Floriano, que se destaca como elo entre tantas gerações, tem uma conversa definitiva com seu pai no leito de morte e, na representação suave de um beijo no rosto, consegue perdoá-lo por suas intransigências do passado, as múltiplas traições à mãe, seu comportamento arbitrário que, por tantas vezes, acarretou sofrimentos; Ao fim da leitura, adquirimos uma acepção diversa acerca das relações humanas e da sua capacidade de adquirirem novos sentidos quando os sentimentos nobres são colocados acima do egoísmo e da busca pelo prazer individual a qualquer custo. Ao mesmo tempo, ao nos colocarmos no lugar dos personagens, perguntas sinceras se abrem e ficam no ar sem resposta: “Sílvia não deveria ter correspondido ao beijo roubado do seu amor de infância?”, “Valéria não seria mais feliz buscando outro destino que não a entrega desprendida de si mesma aos seus entes?”, “Floriano não deveria ter gritado de raiva em vez de silenciar e escrever?”


     Recomendo, fortemente, a leitura de ambas as obras, não só pela sua riqueza estilística e estética, mas por representarem nossas emoções diárias de forma tão crível e despretensiosa. E, para você que conhece bem as histórias, deixe nos comentários o que você faria no lugar de cada um deles! Vamos matar a saudade dos nossos heróis fictícios que, tantas vezes, nos fizeram chorar, sonhar e refletir! 

Texto por Liziane Edler, do blog Licença para o imperfeito



5 comentários via Blogger
comentários via Facebook

5 comentários

  1. Assumo que nunca li o livro, mas amei quando vi o filme. Futuramente tomarei vergonha na cara e lerei.

    Beijos, Raissa Galvão
    Ray Neon blog|FanPage

    ResponderEliminar
  2. Faz tempos que não leio um livro nesse estilo, boa pedida!!!!!!!! Acabei de curtir a sua página, agora não vou perder nenhum publicação!!!! Www.morandojunto.net

    ResponderEliminar
  3. Ray, é uma ótima leitura mesmo, recomendo! Já curti a sua fan page!

    Patrícia, muito obrigada pelo incentivo! Adorei o seu blog, tem opção de seguir? Não encontrei lá...

    Beijão!!

    ResponderEliminar
  4. Eu ainda não li o livro, confesso que não faz muito meu estilo de leitura, mas parece ser uma obra e tanto!

    memorias-de-leitura.blogspot.com

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Inês Gabriela, quem sabe, você comece a gostar dos livros! Dê uma chance! ;)

      Beijão!

      Eliminar